sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Tu te tornas eternamente responsável pelo sarro que tiras

Oi queridos :)
Tava aqui pensando sobre como as minhas matutações preferidas da vida rodeiam o tema "propósito".
Quando a gente pensa que não faz muito sentido só nascer, crescer, estudar, trabalhar, reproduzir, morrer, a gente fica atrás de algum sentido pra essa coisa toda da vida humana.
Sem querer restringir uma definição de propósito, eu gosto de pensar que meu objetivo por aqui é ser feliz, e só dá pra eu ser feliz se eu conseguir sentir mais paz dentro e só sinto paz dentro se eu for paz fora também, para o mundo e pra todos os seres. Isso acaba me fazendo cuidar meus atos, pra que eles estejam de acordo com essa minha vontade de agir de forma amorosa e pacífica em todos os níveis (nóis vive dando bola fora mas é isso que nóis tenta! kkkkkkk).
E hoje o objetivo do post é falar sobre uma das formas que eu tento ser paz fora, que é cuidar com o que eu acho graça e com o que eu faço graça.
Eu muito frequentemente digo (até já virou piada interna aqui em casa!) "mas qual que é o propósito disso??" diante de coisas que me parecem sem fundamento... e antes que se diga que a vida fica muito chata se tudo o que a gente fizer tiver que estar imbuído de propósito: isso não significa que absolutamente tudo o que a gente faz tem que servir a uma razão maior, louvável, pelo bem de todos. O propósito pode ser simplesmente se divertir, relaxar, descansar da seriedade da vida prática, e esses são propósitos importantíssimos pra nos manter leves e felizes. Mas é preciso cuidar: minha ação com propósito de alegria despretensiosa está afetando só a mim ou a outras pessoas também? Dentro do nosso quadrado, a gente pode ser o quão despropositado quiser. Mas se estou afetando os outros, COMO eu estou interferindo na vida deles?
Refleti bastante sobre isso esses dias, depois de uma conversa com amigos - um deles contando de uma pegadinha que um conhecido aplicava nos amigos. Ouvindo aquilo e não achando a menor graça, minha reação foi - "mas qual que é o propósito disso??" kkk... em geral nessas circunstâncias sinto que não sou muito compreendida, vêm aqueles comentários "ah a vida não pode ser só seriedade e propósito", "ah era só uma brincadeirinha", "ah que chato se a gente não pode nem dar uma risada de vez em quando".
É curioso pra mim ouvir isso, pq me acho uma pessoa que leva a vida leve e com bastante capacidade de rir, mas de rir COM as pessoas. Como dizer que o propósito de uma pegadinha é se divertir, se não se sabe se a pessoa objeto da pegadinha tá achando graça também? Que valor tem um momento de alegria às custas dos outros? É importante essa diferença entre rir COM os outros e rir DOS outros. A gente só tem o direito de tirar uma com a cara da gente mesmo, e é muito bom não se levar a sério. Mas a gente tem que ser cuidadoso ao entrar no mundo do outro. Claro que quanto mais se conhece alguém intimamente, mais se sabe o que é assunto sensível para aquela pessoa e o que pode ser brincado - esse conhecimento e respeito ao universo do outro permite muitos graus de liberdade nas brincadeiras do dia-a-dia. Falo aqui é da piada ou da pegadinha que acontece sem esse conhecimento mais profundo. Hoje eu busco não compactuar com pegadinhas, me recuso a demonstrar que acho graça de tiração de sarro de terceiros porque a gente nunca sabe o que passa no coração das pessoas, os traumas que elas carregam, o que pra elas é assunto sério. A gente não sabe o quanto tem de dor escondida naquela risadinha sem graça que a pessoa dá - afinal não se vai criar atrito com o amigo/familiar/companheiro por causa de uma piadinha né? Afinal a gente tem que ter "senso de humor", né, e aceitar ser zoado... senão a gente vai ficar com fama no grupo de treteiro, polêmico, sensível demais, "ah não dá pra brincar com o fulano". Então se ignora aquela sensaçãozinha desconfortável, se tenta sair com uma resposta humorística na ponta da língua que reverta a situação e zoe o zoador satisfatoriamente, e lá no fundo se vai absorvendo esses duelos-piada como a forma de interação vigente, o inconsciente vai internalizando a necessidade de defesa - tudo tão, tão sutil, que nem se percebe direito. Vira só uma angústia indefinida pra quem não incorpora naturalmente esse perfil de interação.
É interessante como esse assunto me mobiliza quando surge... eu acredito que o senso de injustiça que me atinge e me faz falar sobre isso é por eu já ter passado por situações o bastante nesse sentido e não sentir a menor familiaridade com esse jeito de conviver. Fui criada numa casa em que não havia tiração de sarro ou pegadinhas, então não aprendi a ser "rápida", a estar sempre ligada pra ver se não tão querendo me pegar, a responder de bate-pronto. Do jeito que o mundo vai, é praticamente um tipo de inocência. Se me falam algo em tom de verdade, eu pressuponho que seja verdade, e não que estejam me tirando. Meu negócio é coração aberto e desarmado, convivência amorosa. Sendo assim, tendo a não achar muita graça nem me sentir muito confortável com isso de estar sempre com um pé atrás como forma padrão de interação - além dos assuntos que nos são delicados e que todos temos. Há pessoas com todos os níveis de sensibilidade, não se pode tomar o todo por aquelas que sinceramente não sentem nada quando são alvo de piadas e pegadinhas, que jogam bem esse jogo do troçar e ser troçado - assim como não se pode tomar todos os negros por aquele que diz que não se afeta com o racismo humorístico nosso de todo dia, que sabe que piadas são ditas apenas com intenção humorística e não devem ser levadas a sério.
Sinto que as pegadinhas e as tirações de sarro genéricas vêm do mesmo saco que as tiradas machistas, racistas, homofóbicas (com muita frequência a piada vem com tons de preconceito contra algum desses grupos). É bullying, em diferentes formatos e graus... é manifestação sutil daquele nível de consciência em que é necessário se sentir mais que o outro pra se sentir bem. A reação das pessoas, diante de alguém que chame atenção para a responsabilidade nesse tipo de brincadeira, muitas vezes é a mesma reação de quem é chamado atenção por sua piadinha preconceituosa "ah mas eu só tava brincando, fulano sabe que eu considero ele pra c*, ele frequenta a minha casa inclusive". Será mesmo que fulano sente só alegria e diversão naquela brincadeira? E mais: será que o troçador se deu conta de que está contribuindo para a manutenção da cultura que gera os comportamentos ostensivamente ofensivos e doentes?
Porque sim, existe a responsabilidade nos casos concretos, que dependem do quanto a gente conhece o interior do outro, e a nossa responsabilidade como mantenedores de uma cultura em sociedade. Essa figurinha aqui embaixo é a coisa mais didática que já encontrei para explicar por que a pegadinha e a piadinha podem ser sim socialmente nocivas:
Essa rotina de fazer social tirando sarro é alimento para essa cultura, para que se perpetuem esses comportamentos que envolvem formas sutis de subjugação - quer ver um exemplo bizarro? É o trote da faculdade. Os bixos ficam lá aceitando situações que nem todos acham confortáveis, porque encarar bem o trote faz parte de se integrar no grupo, fazer amigos entre os colegas novos, se dar bem com os veteranos. E por dentro, começa a se formar o recalque: "faz parte ser courinho nesse momento, mas tudo bem pq no semestre que vem vai chegar minha vez de ser o que fica por cima". Aí já vão arquitetando tudo o que vão fazer com os pobres futuros bixos, que não tinham nada a ver com a formação desse recalque, e assim se perpetua a regra de descontar o que se viveu. "Eu aceito rirem de mim, pq aí vou poder rir dos outros também". (Se quiser ler uma história de como o piadismo irresponsável pode ser danoso, o início desse post conta a história do que fizeram com a maior doadora de leite materno do Brasil, a título de humor.)
Mensagem implícita lamentável nessa vida de piadismo irresponsável...
Parece que estou exagerando, que estou fazendo tempestade em copo d'água? Pode parecer. Porque isso tudo acontece num plano muito sutil. É a base da pirâmide de comportamento que sustenta o mundo de competição, de jogo de poder em vários níveis. Como toda base de pirâmide, é um comportamento amplamente disseminado na sociedade e é tão comum que as pessoas mal o percebem, não se dão conta de que há uma alternativa a esse comportamento. E depois se questionam pq existe tanta animosidade no mundo, pq a gente vive como se tivesse que estar sempre se defendendo dos outros. Esse artigo é um maravilhoso complemento à reflexão.
Imagina se o mundo fosse diferente - se as pessoas se honrassem nas menores interações, se acolhessem em vez de rirem umas das outras, se a alegria surgisse de reconhecimentos em comum: a beleza inimaginável que brotaria dos encontros? O crescimento, a irmandade? Não é ilusão. Eu sei que essa minha tendência a naturalmente não achar graça de troçar com a cara alheia é um dos fatores que faz meus amigos compartilharem comigo situações difíceis, me contarem das suas vidas num aspecto mais profundo. De alguma forma, pelo menos o inconsciente deles já sabe que eu não vou fazer pouco nem fazer graça daquele momento de abrir a alma. Sei que a gente pode chegar num ponto de coletividade em que a gente vai poder andar sempre de alma aberta, não vão ser mais necessários os escudos que levantamos pra proteger o que há de mais sensível em nós.
Depende de cada um, da consciência sobre nossos atos, da responsabilidade que assumimos diante da realidade que criamos... e vamos rir, rir muito, nutrir a alegria do coração em paz, do amor que encontra e comunga :) como eu li em uma canalização esses tempos: "E, enquanto despertam neste tempo, seus dons despertarão e habilitarão a outros. Utilizando as ferramentas do riso, do canto, da dança, da alegria, da confiança e do amor vocês estarão criando uma profunda onda de transformação que transmutará as limitações do antigo mito da dualidade e da separação, realizando o milagre da PAZ E UNIDADE NA TERRA."
Bjs com carinho,


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Sobre ver vida no outro

Oi queridos :)
Hoje me deu vontade de escrever só porque tava aqui rolando o feed do facebook, entre uma tarefinha de computador e outra, vi essa figurinha batida:
Na hora, sabe lá pq, meu coração se tomou de tanta emoção, eu que já ouvi muitos "namastês" na vida, que percebo o quando essa expressão se tornou meio dita sem sentir. É que namastê só faz sentido se sentir!
Porque a vida muda quando a gente vê Deus no outro.
Mesmo pra quem não usa a palavra "Deus".
Porque a vida muda quando a gente vê vida no outro: simples assim.
Qualquer pessoa que passa por nós: ali vai um conjunto de construção de individualidade igual a vc. Ali existem emoções e pensamentos e um corpo que anda pela rotina mais ou menos cansativa, mais ou menos automática, mais ou menos desejada por aquele ser; naquelas emoções e pensamentos vive a memória de uma história de vida, certamente com seus traumas, com suas boas lembranças; as marcas daquele rosto, aquele jeito de andar mostram as circunstâncias da vida atual e dos anos passados; os olhos dizem aquelas emoções e pensamentos, mais eloquentemente que as palavras pensadas para serem ditas. É só ter olhos de ver... é só sintonizar o olhar.
O meu queridão (sinto que ele vai aparecer com frequência nos posts daqui pra frente... kkkkk) Eckart Tolle fala que a gente costuma interagir com papéis, não com pessoas. Vou no mercado e entro na fila do caixa e espero a minha vez - pra mim, se estou vivendo no automático, a pessoa que está ali é simplesmente "o caixa": alguém que desempenha a função de me permitir sair daquela fila e ir embora o mais rápido possível do mercado. Se não passar as compras rápido, se parar pra fazer alguma outra coisa antes da minha vez, vou ficar impaciente. Se não me olhar pra dar bom dia, vou pensar que é mal educada e que aquele mercado deveria exigir educação e cortesia de seus atendentes. Se jogar minhas mercadorias pro outro lado da esteira sem cuidado, vou ficar silenciosamente indignada com o descaso.
Mas... se eu vejo ali uma pessoa, em vez de "o caixa", tudo muda. Olha bem para aqueles olhos: o que eles dizem? Preocupação? Cansaço? Atenção ausente? Será que aquele ser queria estar ali, ou simplesmente não tem opção e precisa pagar contas todo mês? Será que aquela pessoa é uma mãe com um filhinho doente na casa da vizinha? O que será que ela faz quando sai dali, quanto trabalho será que ela tem em casa? Quanto tempo será que ela leva pra chegar em casa do trabalho? Ela é uma pessoa que precisa ir ao banheiro, se alimentar, contatar seus familiares, descansar uns minutos ao longo da sua jornada de trabalho. É absolutamente natural que ela pare eventualmente entre um atendimento e outro. Ela é gente. Ela é nós em outro corpo, com outra história. Isso é empatia.
Empatia muda a vida. Empatia nos tira da posição de críticos, de demandadores de eficiência. Nos permite ver o outro com a mesma compreensão e indulgência com que vemos a nós mesmos. Infelizmente, parece que muitos graus de empatia a gente só cria quando passa pela situação que antes a gente só via de fora. Essa historinha aí do caixa de supermercado é a história do que eu sentia e pensava quando ia no mercado, antes e depois de eu começar a atender público no trabalho. Percebendo as demandas do público sobre nós, num ambiente de escassez de colegas e quantidade de trabalho muito acima da nossa capacidade, eu vi o quanto eu fazia aquelas mesmas demandas quando estava no papel "a cliente" e o quanto elas eram potencialmente injustas. Hoje eu faço o possível para ver as pessoas por trás dos papéis. Quanto mais corrida a vida, no jogo da sociedade, mais o mundo nos incentiva a só ver papéis e exigir perfeição na execução das funções; nos incentiva também a sermos apenas o nosso papel e nos cobrarmos a mesma perfeição. Os seres se perdem... até que a gente faça essa revolução no nosso olhar.
A Júlia, minha médica virtual preferida, fez esses dias um apelo pra gente não esperar que a empatia brote naturalmente só por termos vivido a mesma situação. Uma vez feita a revolução no olhar, uma vez tomada a consciência da necessidade de empatia, vamos ver de fato o mundo ao nosso redor, vamos perceber tudo o que acontece com as pessoas e que não queremos pra nós, vamos compreender os caminhos tantas vezes cruéis que os levam a alguns comportamentos que julgamos maus. Vamos encher nosso olhar de empatia e amor :)
Parece que todo caminho espiritual nos incentiva a ver de verdade o Ser no outro. O Namastê da tradição indiana; o "In lak'ech" dos maias (eu sou o outro você).
Sabe até o que eu me lembro agora?
Aquele filme Avatar, e a palavra que o povo azul de Pandora usava pra se cumprimentar,
que significava "eu vejo você".
Bonito isso, né?
Dar oi dizendo eu vejo você,
reconheço o que faz de você meu igual
e o q faz de você único no mundo,
percebo as suas lutas pessoais,
seus ideais e sonhos,
suas fragilidades,
olho pra vc e realmente o vejo,
e por isso lhe cumprimento com respeito, admiração, carinho.
Tem um videozinho bem lindo que fala de empatia de forma muito, muito didática, tanto pela explicação quanto pela animação bem feita, divertida e sensível. Pra quem não tiver tempo de dar o play aí embaixo (vale muito a pena!), fica um resuminho do que ele traz: 
Empatia gera conexão.
Pessoas com capacidade empática conseguem tomar perspectiva e têm a habilidade de reconhecer a pespectiva do outro como a verdade dele; não julgam e reconhecem emoções em outras pessoas. Ter empatia é sentir COM as pessoas.
É como uma pessoa que está num buraco escuro e grita pra cima, tô presa, tá escuro, tá demais pra mim, e você diz oi, vou descer, sei como é aqui embaixo e você não está sozinho. Empatia é uma escolha, e é uma escolha vulnerável, porque, para me conectar com você, tenho que me conectar com um lugar de mim mesma que conhece aquele sentimento.
Se eu compartilho algo muito, muito difícil, em vez de uma solução pronta às vezes é melhor dizer, "nem sei o que te falar, mas que bom que você me contou", porque raramente é uma resposta que vai fazer as coisas melhores e, sim, a conexão.
A vida é tão rara, como disse o Lenine numa das músicas mais lindas que existem. E isso que eu nem falei da empatia com toda forma de vida, porque esse post já tá, pra variar, comprido de doer...
Vamos nos ver uns aos outros, de verdade <3
Bjs com carinho