quinta-feira, 21 de julho de 2016

Morrer e saber viver

Oi queridos!
Ontem eu conversava com um amigo sobre uma situação difícil que ele está passando, de doença na família, e isso me deixou pensando sobre o quanto a nossa sociedade é tanatofóbica - nem sei se o termo existe hehe, é só a bióloga em mim querendo dar um nominho específico pra esse medo da morte que impera. Mesmo quem diz que não tem medo de morrer muitas vezes acha o assunto agourento, pessimista. Até o pobre do adjetivo "mórbido" tem uma conotação bem negativa quando usado figurativamente.
Como diria a Funérea...
Claro que a morte em geral vem carregada de situações difíceis e sentimentos fortes, seja pelas doenças que geralmente a antecedem, seja pela ausência e saudade daqueles que vão ou pelo medo do desconhecido que vem depois... mas considerando que a morte física é certa, pra nós e pra todos os que amamos, faz algum sentido ficar negando cegamente o fato? Tenho a impressão de que o que mais dói nas pessoas que ficam, quando alguém amado vai, é a sensação de coisas mal resolvidas, coisas que deveriam ter sido ditas e não foram. Se a pessoa nega que a morte um dia vai vir, ela nunca se dá oportunidade pra essas quitações de pendências, e aí a além das emoções intensas que fazem parte da despedida, ela fica carregada da sensação de culpa e de assuntos inacabados.
Tem uma médica linda que trabalha com cuidados paliativos e palestra muito sobre isso. Ela se chama Ana Cláudia Arantes e é muito fácil de achar vídeos dela no Youtube. Ela cita como os maiores arrependimentos das pessoas que estão tendo que lidar com a ideia da morte próxima: terem vivido a vida que os outros esperavam e não aquela que queriam ter vivido; terem trabalhado demais por dinheiro; não terem tido coragem de expressar sentimentos; não terem mantido contato com os amigos; não terem se permitido ser mais felizes. Deixo aqui a palestra do TED dela, que é maravilhosa e se chama "A morte é um dia que vale a pena viver":
Há um tempo eu fui apresentada por uma amiga muito amada à Elizabeth Kübler-Ross, a médica suíça que estudou muito as experiências de quase morte e que escreveu em 1969 o livro "Sobre a morte e o morrer", em que ela descreve as cinco fases do luto (se vc não conhece essa teoria, leia, é imperdível! Impossível não se reconhecer nessas fases... afinal todo mundo já passou por algum tipo de perda, e parece que a nossa reação segue sempre algo desse padrão). Depois de ler a história da vida e do trabalho dela no livro A Roda da Vida - facinho de achar na net -, ficou muito claro para mim o quanto é necessário tirar o tabu da morte aqui pro lado do ocidente pra que a gente aprenda a VIVER (já que nos recantos de tradição espiritualista do Oriente eles lidam bem melhor com a ideia de que existe um depois e de que o que vale nessa vida é a bagagem passível de ser carregada pro lado de lá). É isso mesmo, lidar de forma realista com a morte é uma ferramenta pra, além de morrer bem, viver bem cada dia até quando fechar nossa fatura por aqui.
Isso porque pra se ter uma morte tranquila ou lidar de forma serena com a morte de pessoas queridas, ao contrário de tudo o que nos diz essa sociedade pós-moderna mucho loca, é necessário colocar nosso foco nessa bagagem imaterial. Nem é necessário pensar no que tem depois da morte: é só pensar na velhice e no que se precisa pra vivê-la com a mente e o coração tranquilos. Eu, que trabalho no INSS e estou sempre às voltas com a ideia de previdência, não consigo deixar de ver essa preparação como uma forma de previdência emocional/espiritual hehe. O capital interior que a gente vai acumulando ao longo da vida é o que vai nos garantir uma idade avançada sem pendências e arrependimentos, pois o caminho do autoconhecimento inevitavelmente vai nos levar pra uma vida mais autêntica, direcionada por nós e não pelo que os outros entendem como apropriado; é o que vai nos ajudar a lidar com as doenças mais frequentes, com as perdas e com a ideia da morte que vai se aproximando. É essa riqueza acumulada que vai impedir que a velhice e a limitação física se transformem em tédio, ou em reclamação constante, ou em sensação de que a vida não tem mais nada a trazer de bom e que dali pra frente é só esperar a morte. Essa é a hora maior de usufruir da resiliência, da paz interior, da sensação maravilhosa de amor pelas pessoas que fizeram e fazem parte do nosso caminho, do senso de propósito que se acumulou na vida.
Então, galera, tenhamos o senso prático de sermos viáveis materialmente nesse mundo, mas não vamos descuidar da nossa bagagem interior. Eu tenho um gosto que as pessoas costumam achar estranho, que é passear em cemitério - de preferência, os de cidade de interior, com espaço para jazigos maiores com muitas coisas escritas. Gosto de ver aquela gente toda que já veio e foi, ver as datas e as fotos e imaginar histórias de vida, é um hábito que me dá perspectiva do quão rápido é o nosso tempo aqui. Se olhar pras nossas vidas lá de longe, daquele ponto em que tudo fica tão pequenininho que não faz sentido sem um propósito maior, é mais importante acumular consciência e amor do que fazer aquela previdência privada que a gente tem como objetivo pra quando as contas equilibrarem. Vamos nos dar o tempo de olhar pra dentro, ainda que a sociedade só nos cobre qual é a próxima pós-graduação que vamos cursar, o próximo concurso que vamos tentar, como vamos melhorar nossa renda pra ter um carro melhor, uma casa maior e coisas do gênero. Quando as pessoas estão pra morrer, elas se dão conta do quão pouco importante é tudo isso de material que a gente passa a vida buscando, essas coisas todas que o nosso ego quer quando se identifica com o que está fora de nós. O meu queridão Eckart Tolle diz em "O Poder do Agora": a grande sacada da vida é esse "morrer" do ego antes da gente estar pra morrer de verdade.
Schopenhauer concorda!
Isso se torna cada vez mais relevante à medida que a sociedade envelhece. É interessante esse fenômeno, que é um resultado do nosso avanço tecnológico e das melhores condições de vida que as pessoas têm hoje em relação aos séculos passados, mas que também acontece bem numa época em que parece que a sociedade cultua a juventude e não tem tempo pra pensar no que fazer com seus idosos... num tempo em que se valorizam as realizações no mundo externo em detrimento do que temos dentro. É assim que funciona: se a gente não aprende voluntariamente, a gente é convocado ao aprendizado - e esse envelhecimento populacional me parece um chamado obrigatório pra desenvolver o mundo interior e voltarmos a olhar pras coisas que o dinheiro não compra e que a aparência não conquista. Que bom :)
Bjos com carinho,


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