terça-feira, 20 de outubro de 2015

Para aqueles dias de pouca fé na mudança

Oi :)
Hoje eu estou vindo aqui só para desabafar. Não só desabafar, na verdade; isso teria sido ontem. Mas hoje, depois de uma noite bem dormida eu já consigo olhar o ontem por uma perspectiva mais distante, e a minha vontade é compartilhar isso que me acontece às vezes: um dia em que parece que o trabalho de mudança é tão fenomenalmente gigante e além da nossa vontade, que eu fico questionando todo o esforço que tenho feito, me perguntando se realmente faz alguma diferença.
Acho que a melancolia começou na descida da serra no domingo, passando por Gramado e todas aquelas placas de comida pé-na-jaca que parece ser um dos principais motivos de as pessoas irem pra lá - como comida é uma questão delicada pra mim, com meu histórico de compulsão alimentar, meu olhar sempre percebe essas coisas e fico matutando sobre como se vive pro paladar ainda, como as pessoas se conectam através da comida - fiquei imaginando algumas famílias, que parece que só se vêem pra comer, o que seria da interação entre essas pessoas sem a comida, ou se todo mundo comesse para se nutrir apenas, e não pra agradar paladar, confraternizar, sair de barriga cheia, amenizar as dificuldades do dia, suprir carências, todas essas coisas que a gente faz através da comida e que a sociedade estimula com a oferta muito maior de comida junk coma-enquanto-aguentar do que de comida que nutre?
Depois na chegada na cidade, aquele engarrafamentinho amigo na 116, e me atacou mais forte que o normal a vontade de morar longe daquilo tudo - a fuligem e o ar tóxico, a concentração de gente e de radiação de todo tipo, a água cheia de cloro e flúor, a oferta abundante de todo tipo de anestesiador de consciência, o embotamento do concreto que nos desliga da nossa natureza biológica, que ofusca a nossa conexão com a natureza, a dificuldade de se conseguir alimento orgânico pq dentro de apê a horta que cabe é reduzida...
E ontem de manhã tudo isso juntou com as cenas do caminho pra um compromisso que tive no centro de Canoas, saindo do metrô um senhor acendendo um cigarro com a típica fissura de quem mal espera sair do espaço fechado pra se grudar na nicotina, e na outra mão ele tinha uma caixa grande de remédio - cena metáfora perfeita da nossa doença social: numa mão o que vendem pra matar, na outra o que vendem pra remendar o estrago, em tudo a venda, a promoção da doença - eu estava num estado tão triste que qualquer coisa que eu via já colocava sob esse prisma de estar imersa numa sociedade muito doente e distorcida das possibilidades reais de felicidade.
Para todo lado daquela caminhada eu via os lanches de carne e derivados, as farmácias abarrotadas, as propagandas de festa open bar pra se encachaçar, no whatsapp duas pessoas ficaram batendo boca num grupo do qual eu participo, e chegou num ponto que eu estava questionando tudo, todo o esforço que eu faço, o tempo que gasto pra comer melhor, o esforço de compreensão das pessoas e de fazer mais do que apenas o esperado de mim, a dissociação do grupo na hora das confraternizações por causa de comida e as explicações que tenho que dar por ser a única vegana de todos os meus círculos de convívio, a incompreensão das minhas escolhas que faz a maioria me achar só "a chata", e a indiferença daqueles que entendem meus motivos e não estão ainda no seu momento de mudança - fiquei questionando que diferença eu faço pro mundo com meus produtos de higiene e limpeza naturais, meu não-consumo de derivados animais, minhas idas quinzenais à feira orgânica que me tomam um tempão pois não tenho feira perto de casa, o tempo que gasto explicando pras pessoas o que motiva minhas ações - olhei ao redor e, naquele estado de espírito, senti que nenhuma vaca do mundo estava menos explorada mesmo com todo o meu esforço individual, que a água do esgoto seguia tão cheia de componentes químicos mesmo eu tendo parado com a pílula e com o Ajax, que os lixões seguem abarrotados cada vez mais de tanto incentivo ao consumo, mesmo com a minha composteira e meu cuidado na redução e reutilização, que as toneladas de agrotóxicos seguem sendo despejadas na Terra do mesmo jeito mesmo com meu consumo quase 100% orgânico. Até o benefício pra minha saúde eu questionei, já que todo o meu esforço naquele momento estava me dando uma tristeza que certamente também somatiza e não me deixa assim tão saudável. Tudo o que eu faço que me demanda mais trabalho do que o que as pessoas fazem dentro da normose, tudo ficou com a validação questionada dentro de mim naquelas horas.
"Meu médico diz que eu preciso comer carne!"
Foi assim o dia ontem, de me sentir o menor dos grãos de areia tentando fazer a praia diferente.
Minha pergunta: vcs que buscam ser diferentes da maré, têm dias assim? Isso é coisa que atinge genericamente quem busca ser diferente-pra-melhor, ou é só coisa da natureza melancólica da Fê se manifestando?
Ontem cheguei em casa do trabalho, fiz meu lanche (vegano quase nada cru, já q eu tb compenso emoções na comida), fiquei vendo notícias boas na net, pessoas se envolvendo com ressocialização, ONGs com lindos trabalhos, demonstrações de amor, estatísticas felizes da ampliação da onda do bem, um vídeo lindo do retiro que fiz semana passada, e meu coração foi saindo daquela vibração de desesperança. Fiz mais da minha pasta de dente feita em casa e do meu shampoo de bicarbonato, ouvi uma palestra do Oberom. Fiz o que eu podia pra lembrar que não estou sozinha, e fui dormir tentando não me permitir pensar no estado geral do mundo. E fui pedindo, ao longo do dia, que Deus me sustentasse a fé na mudança que já existe, pra eu não desacreditar do agora. Eu sei, eu sei que o nosso futuro inevitavelmente vai ser de luz, vai ser de um novo nível de relação entre os seres vivos, outro nível de relação com a natureza, com a nossa Terra. Só preciso de ajuda nesses dias em que me sinto solitária no agora, em que eu sinto que não vou dar conta de ser a diferente até que o tal futuro se estabeleça. Mas a verdade é que eu tb não tenho escolha. Eu já tenho as informações, já tenho a consciência. Não poderia voltar a viver como já vivi, como as pessoas vivem. Então o que me resta, realmente, é nutrir minha esperança e reforçar a validade de viver como vivo, buscar as vivências que criam a paz de dentro para fora, introjetar na mente a importância que tem cada consciência vibrando positividade, cada pessoa se alimentando sem demandar violência, cada ato de redução de dano à Terra. Vale sim!!
Acordei bem melhor hoje, conseguindo ver tudo isso que me aconteceu ontem já com distância, e pensando em como não deixar a normalidade me atingir. Preciso meditar. Preciso mais exercício físico. Preciso simplificar minha rotina e ter algum tempo pra descansar. Preciso reforçar minha espiritualidade. Cada vez mais acho que os recursos que a espiritualidade dá são os que realmente nos salvam da amargura e da desesperança, quando a gente tenta viver diferente. Pq o negócio todo é ser feliz, e por mais que a realidade nos doa, não pode estar certo se permitir tristeza constante diante do que há, e amargura pela solidão do caminho alternativo. Felicidade se constrói dentro de nós, na nossa casa mental e emocional, a partir do nosso lastro espiritual.
Vou acabar com uma tirada ótima de um amigo querido - ele mora numa terra linda num lugar afastado, servindo à ideia de uma nova consciência, totalmente de acordo com tudo o que eu busco pra mim, recebendo pessoas em retiro para vivenciarem esse novo mundo. Um dia ele foi na cidade mais próxima da terra em que mora e, na fila do mercado, alguém lhe disse "E aí, então, tá visitando a civilização?" e ele respondeu muitíssimo espirituoso "Pois é, vim visitar o passado".
Hoje eu peço, pra mim e para as pessoas já vibrando uma nova realidade, resiliência pra sobreviver à civilização do passado que nos circunda no presente. Fé, galera, esperança pra nós.





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