sábado, 17 de outubro de 2015

O preço da carga horária

Oi queridos!
Tenho visto notícias sobre a experimentação de mudança de carga horária na Suécia, para 30 horas semanais. Vcs viram?
Adorei isso vindo à tona como assunto de discussão.

Experiência própria: 6 horas de trabalho focado rendem MUITO, muitas vezes mais do que 8 horas e a noção de que, se vamos passar o dia todo no trabalho mesmo, então vamos aproveitar pra checar emails, pagar contas, essas coisas da vida pessoal, e vamos tomar cafés pra tocar o dia, levantar pra espairecer e trocar uma ideia com os colegas, as letras bailam na tela do PC depois do almoço, vai mais café, olha o celular...
Acho bem bizarro pensar o quão pouco sobra de tempo de vida quando se trabalha 8h, almoça 1h ou mais, desloca 1h pra ir e 1h pra voltar = 11h úteis do dia envolvido com o que pra muita gente é só o meio de ter viabilidade material na vida. É realmente dar a vida por dinheiro, e sem ter muito pra onde correr, pq é muito difícil achar na maior parte do mundo um emprego que dê opção a esse esquema de falta de vida.
Aí não é de se estranhar que as pessoas terceirizem o cuidado com sua alimentação, com suas casas, com sua saúde, que negligenciem a sustentabilidade do planeta, o exercício de cidadania... esses dias ouvi: "minha mãe, que é aposentada e tem tempo pra essas coisas, separa lixo... a gente, que vive correndo, não tem como atentar pra essas coisas" - que sistema tão bem pensado esse capitalismo selvagem na ilusão da alegria consumista! Faz as pessoas correrem por dinheiro, e na corrida por dinheiro ficam tão sem tempo que não se dão conta das coisas realmente importantes, nem conseguem parar pra pensar o que será que é que tá faltando que faz elas seguirem correndo atrás de coisas, e trabalhando mais e mais pra ter o dinheiro de consegui-las!
Claro que tem pessoas que conseguem sentir tédio nas horas "vagas" mesmo trabalhando 44 horas por semana, mas quando a gente se abre pra necessidade de cuidar de todas as esferas da nossa vida, simplesmente não sobra espaço para ociosidade não criativa. Tentar fazer parte do ciclo da natureza é um esforço ativo quanto mais na cidade a gente mora - reaproveitamento de água, de matéria orgânica, cultivos, tudo isso demanda tempo; participação cidadã, acompanhar projetos de lei e opinar, mandar emails para agentes políticos e se envolver em manifestações, ativismos de todo tipo; cuidado com a saúde, aprendizados sobre nutrição, buscar seu alimento orgânico, local e agroecológico, fazer a própria comida; ler e praticar yoga, meditação, ou a prática de espiritualidade da sua escolha, tudo isso demanda tempo, e é parte muito real das responsabilidades humanas! Tão esquecidos andamos dessas responsabilidades, que se vincula o trabalho, pagar contas e o leva-e-traz dos filhos às únicas responsabilidades de uma vida. E aí a gente vê por aí tantas crianças emocionais, com dificuldade de lidar com suas questões mal resolvidas, tomando remédio como se fosse bala, e dá-lhe tv pra não pensar; tantos absolutamente insensíveis ao dano que a nossa sociedade causa à Terra, tantos reclamadores do estado da política e da gestão pública sem que façam o que lhes cabe como cidadãos pra melhorar as coisas (ainda que pouco consigamos mudar, mesmo sendo muito ativos nessa área da cidadania... é o que nos cabe).
Com a vida dedicada a conseguir dinheiro, não sobra tempo pras essas responsabilidades muito reais, quanto mais para a arte, para a beleza, para a contemplação - pior que essas coisas tb, deram um jeito de gourmetizar e fazer virarem eventos de vaidade, de "ver e ser visto" em vez de serem instrumentos de internalização verdadeira, de conexão real com o todo.
Esse assunto do tempo gasto no trabalho puxa muitos outros e fácil a gente vê o quanto ele se relaciona com a sustentação da matrix que mantém as pessoas dormentes.

Por isso minha alegria de ver a Suécia puxando o bonde. É preciso parar com essa mentalidade de que quem trabalha 6h (no Brasil, possibilidade principalmente de algumas classes profissionais e alguns órgãos públicos apenas) é vagabundo, e pra mudar essa mentalidade é importante que se mostre ao mundo que isso é viável para empresas, que a produtividade compensa, que a sociedade toda se beneficia pela saúde mental que permite aos trabalhadores. Quanto à necessidade de se trabalhar para viver, é uma reflexão bem mais profunda... mas, considerando que alguma demanda por moeda de troca existirá na vida de todos, e que trabalho com esse fim existirá também, pelo menos se pode afirmar: a vida não pode ser gasta inteira nessa troca de tempo por dinheiro, nós somos MUITO mais que isso!
Termino confirmando o título dessa reportagem muito legal sobre o assunto: ninguém deveria se orgulhar de trabalhar muito. (trecho: "Para compensar o corte de horas, foi pedido aos funcionários da Filumundus que não entrassem nas redes sociais durante o expediente e que evitassem outras distrações. As reuniões também foram reduzidas ao mínimo. Feldt garante que não só a produtividade permaneceu igual, como os pequenos conflitos do dia a dia diminuíram e as pessoas estão mais motivadas. "Na verdade elas estão mais felizes e descansadas.")

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