terça-feira, 22 de setembro de 2015

Sobre ajudar ou julgar (ou: Dor de índio)

Oi queridos! :)
Tem um vídeo curtinho que eu queria mostrar pra vocês.
Mas antes disso queria conversar sobre um assunto que já me fez matutar muito e ainda segue um problema controverso e de difícil solução para a minha filosofia principiante. Aquele drama (um dos dramas) de quem vive nas cidades grandes: o que fazer quando nos pedem esmola?
Tem os que são radicalmente contra dar dinheiro, os que acham que não se dá nem comida porque a pessoa tem que ir atrás, os que só dão se for comida ou que vão junto comprar o que a pessoa precisa, os que ajudam com dinheiro.
Algumas cenas da minha experiência pretérita:
- ir fazer um lanche com alguém que pediu comida na padaria ou restaurante mais próximo, quando eu tinha o tempo pra parar um pouco no meu caminho;
- ouvir, olhar, tentar ver se fulano estava mentindo para mim e concluir por não dar dinheiro;
- achar que a pessoa tava realmente precisando e dar dinheiro;
- dar a comida que eu tivesse na mochila;
- cheia de sacolas e mochila, pedir desculpa, passar apressada dizendo que não tinha dinheiro comigo no momento, desculpa moço;
Ou seja, padrão nenhum. Às vezes minha conveniência falava mais alto, às vezes eu dava, às vezes não, baseado num critério meio obscuro de julgamento de necessidade, de disponibilidade de troco na carteira ou de lanche na mochila.
Aí faz um ano ou pouco mais, eu comecei a pensar mais na questão, pra tentar achar uma linha de conduta a seguir, pois eu sempre ficava em dilemas éticos e pensando sobre esses episódios longamente depois que a pessoa pedinte ia embora.
Essa vontade de solução veio junto de um período de muita reflexão sobre como a riqueza se distribuía; sobre a discrepância de oportunidades entre uma pessoa que nasce numa família com dinheiro e outra sem; sobre como o dinheiro se refletia na educação recebida e nas oportunidades posteriores; sobre a tão falada meritocracia e no quanto a fui desconstruindo como uma ideia injusta e incompleta.
Resultado: resolvi não julgar mais e ajudar sempre. Fizemos uns kits com bolachas, produtos de higiene e uma mensagem legal de força e esperança para deixar no carro, para evitar de dar dinheiro; e, quando eu estivesse a pé e sem poder ajudar com lanche, ou se a pessoa me contasse uma história de necessidade específica de dinheiro, para comprar medicamentos ou coisa assim, decidi que daria, sim. Entendi que eu fui tão privilegiada por ter nascido numa família com condições materiais suficientes e com bons valores que, por mais que eu tenha me esforçado pra chegar ao ponto de conseguir me sustentar, eu certamente devo a minha situação hoje também à possibilidade de estudo que meus pais me propiciaram, ao meu corpo e cognição que funcionam direito, entre tantos outros fatores alheios ao meu esforço. Resolvi que os trocados que eu der não vão me deixar pobre, e afinal eu estou buscando depender cada vez menos de dinheiro; se doo dinheiro para diversas causas, não posso fechar os olhos para a necessidade de quem se submete a me pedir. Resolvi que não importa o que a pessoa vai fazer com o dinheiro que eu der, eu não tenho o direito de julgar a necessidade dela, porque eu não conheço a sua história e só posso ter uma certeza: foi uma história infinitamente mais triste que a minha, pois até hoje não sofri de necessidades que me fizessem ter que sair pedindo. Eu, que já fui bem viciada em açúcar e laticínios (não subestime a capacidade intoxicante da alimentação!), nunca passei pela situação de não ter dinheiro para sustentar meu vício, nunca passei pelo desespero de não poder ter meu vício atendido... se eu conheço esse desespero, e se eu não vou dar uma solução global de suporte para a superação do vício daquele indivíduo, como posso achar ruim que ele use os 2 reais que dei pra ele em mais uma pedra de crack, que naquele momento é a necessidade desesperada dele? Assim, se eu consegui justificar para mim mesma até o uso da esmola para sustentar o vício, a outra possibilidade era a pessoa estar precisando pra fins mais "louváveis", e então nesses casos eu realmente ia querer ajudar. No fim, entendi que deveria ajudar sempre e que isso era compatível com a ideia de amor que quero exercitar nessa vida.
(me contem as estratégias de vcs, por favor!)
 Esse assunto da esmola jamais viria junto com o assunto do vídeo, não fosse a seguinte conversa que vi ontem:
Nós já tinhamos ajudado essa vakinha, em prol dos índios guarani-kaiowá do MS, que se encerra agora em 27/09, e estávamos divulgando quando necessário. Eu fiquei bem assombrada com o posicionamento do rapaz que contestou a divulgação do apoio, baseado na argumentação de que índio não "contribui" para a sociedade.
Pensem que triste, ser o povo realmente nativo dessas terras, ter que ouvir que o Brasil foi descoberto em 1500 quando já era habitado, perceber seu jeito de viver ser corroído pela cultura cada vez mais doente dos descendentes da cultura europeia, ter suas terras demandadas por conta de dinheiro, seus amigos e parentes perseguidos e mortos por fazendeiros. Nesse ano eu pude entrar em contato com a cultura xamânica e finalmente ver a maravilhosa filosofia de integração com a natureza dos povos indígenas, de viver e valorizar os ciclos naturais, as ofertas da mãe-terra e a vida em comunidade. Meu coração rasga de ler o que está acontecendo no MS, rasga de ler como a proximidade com a nossa cultura abre brechas no que torna coesa a comunidade indígena. Como o Rô escreveu esses dias ao divulgar notícias da guerra civil que se instalou no MS, nenhum latifúndio do mundo vale uma vida.
O vídeo que eu queria mostrar é esse aqui. Só achei ele no facebook. É só uma militante da causa indígena falando por menos de 3 minutos, mas é bem dolorido de ouvir:
E, ainda assim, alguém lá naquele print acima julgou que não se deve estender a mão a eles. Estou também tentando não julgar essa pessoa. Juro que é difícil, quando meu coração entende tão diferentemente. Mas é exatamente aí que está o maior exercício do não julgamento, nas pessoas diametralmente opostas à nossa forma de pensar. Se eu entendo algo como certo, como o melhor caminho para todos, ainda assim não posso impor meu jeito de pensar aos outros. Posso explicitar os fatos, raciocínios e filosofia de vida que me levaram à minha escolha, e só. E, se efetivamente for esse o melhor caminho para todos, preciso confiar que, no tempo de cada um, as pessoas vão acabar mudando de ideia e o escolhendo também. No fim, é a minha conclusão de sempre: a luta por uma causa precisa estar baseada em bons sentimentos que só o exercício da espiritualidade proporciona - respeito à diferença, entrega em relação ao que não podemos modificar, amor como ótica das relações, pra não cairmos nos mesmos estados de espírito que geram as situações que tentamos combater.
Eu queria propor três coisas: a primeira, vamos tentar nos abster de tanto julgamento, já que convivemos com tanta dor e injustiça? É um super exercício para o bem, tão importante quanto é difícil.
Todas as pessoas que você encontra estão lutando uma batalha que você desconhece. Seja gentil. Sempre.
A segunda, vamos pensar com carinho a respeito das esmolas que damos ou não damos, e também nas causas que ajudamos financeiramente? Tem problemas sociais muito, muito maiores que a nossa capacidade de atuação. Nesses casos, eu mando muita energia positiva para a resolução daquela situação e, se eu tenho condições de colaborar com recursos materiais, eu ajudo. Quase toda ONG precisa de doações, então veja alguma que trabalha com uma causa que lhe atrai, e colabore! Faz bem pro coração repartir o que nos é excesso, e é mais louvável ainda repartir aquilo que nos faria alguma falta. É uma das formas de mostrar gratidão pelo que temos :)
A terceira, por fim, é uma mistura das duas primeiras: vamos combinar que, nesse campo das lutas sociais e causas a favor dos desfavorecidos, não se pode julgar e invalidar qualquer (qualquer!) esforço no bem. Toda energia empenhada no bem é válida! E vc que ajuda, não esmoreça diante das críticas! Ser a pessoa com mais consciência numa interação com outro ser significa que a responsabilidade de compreender é sua.
Resumo da ópera, como sempre, é: MAIS AMOR!
Por favor, quem sentir que essa causa é sua também, ajude os guarani-kaiowá através da vakinha, até 27/09!
E se inteire da situação acompanhando páginas no facebook como a da Mobilização Nacional Indígena, a dos Terena, de ativistas como a Denizia, a Yara
Bjs, com carinho,

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