quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Pra quem está pensando em parar de comer carne

Escrevi esse post em 2015, enquanto ainda era vegana; hoje não sou mais, como contei aqui. Deixo o post em sua forma original, sendo que o P.S. lá no fim escrevi agora, no fim de 2016.

Oi!
Esse assunto aqui foi o primeiro que me motivou a começar a escrever este blog. No fim eu mudei um pouco a ordem das coisas, como eu contei em Bem vindo!, mas sem dúvidas é com muito cuidado e carinho que eu venho afinal falar sobre os meus motivos para parar com a carne e os demais produtos de origem animal.
Primeiro, questão de ordem: minha intenção é falar disso pra quem, como diz o título, já pensou no assunto alguma vez e o considerou razoável, ou pelo menos está aberto pra aprendizados e mudanças diante de novas informações. Falar para quem não quer ouvir é infrutífero e ainda gera conflito, e essa absolutamente não é a intenção. Então, se vc já abriu o coração para considerar essa possibilidade, é pra VC que eu estou falando!
Os motivos que levam à transição para o vegetarianismo costumam ser de quatro tipos (entenda a nomenclatura aqui! Vegetarianismo estrito é o hábito alimentar de quem não come carne e derivados; o vegano é o que tem por filosofia de vida levar a consciência da exploração animal para todos os âmbitos da vida): ser ético em relação ao sofrimento animal; não colaborar para a degradação ecológica que o consumo de carne causa; não compactuar com a desigualdade social que leva poucos a comerem um alimento ecologicamente caro para produzir enquanto outros passam fome; e promover saúde. É totalmente o combo da coerência e do bem, ainda mais se associado a outros hábitos! Para cada pessoa, algum ou alguns desses motivos pesa mais ou pesa exclusivamente, mas independentemente das motivações o efeito benéfico em todas as áreas é inevitável hehe.

Quanto ao sofrimento animal: 
É simples: se vc ama e protege seu bichinho de estimação, porque não estender o mesmo cuidado a algumas espécies ditas comestíveis? Percebe que é apenas uma questão cultural gostar de um e comer o outro, e que isso é incoerente? E mais: se a ideia de testemunhar um abate, uma debicagem, uma trituração de pintinhos, ou se a ideia de vc mesmo abater um animal para comer te desagrada, algo não está fechando no seu consumo de carne. 
A dra. Melanie Joy explica em 18 min: a alimentação com produtos de origem animal é um sistema de crenças, visto que comer carne É uma escolha, assim como o veganismo é um sistema de crenças que motiva uma escolha, que é não comê-los. A questão é que o consumo de carne é um sistema de crenças tão dominante que as pessoas nem se dão conta que ele existe, ninguém nos pergunta quando a gente é criança se a gente escolhe comer carne ou não. A crença na necessidade de proteína animal é enraizada na sociedade, é generalizada mesmo indo contra o nosso senso natural de gostar de animais. Não se consegue carne sem violência contra o ser vivo senciente, e isso contraria os nossos valores fundamentais, como compaixão e justiça; por isso o sistema precisa usar mecanismos de defesa para que pessoas compassivas e racionais participem de práticas de violência sem se darem conta plenamente do que estão fazendo. Desde crianças temos o nosso amor natural por animais adormecido para as espécies "comestíveis", existe a crença de que estes comestíveis são "burros" e "todos iguais", o sofrimento na "produção" de carne é devidamente escondido, tudo para que a gente consuma sem questionar.
Ela chama este sistema de crenças de carnismo, e diz que o carnismo é responsável por fazer pessoas boas e compassivas nunca pararem para se questionar e reconhecer como crueldade contra uma vaca ou galinha o que facilmente assim reconheceriam, se fosse imposto a um cachorro ou gato. Faz parte desse sistema de crenças o especismo, a ideia de que a vida humana tem mais valor que a vida de um animal, da mesma forma que o racismo lida com raças. Faz parte do sistema as aparentes soluções para livrar a consciência, como o selo de bem-estar animal e o tal abate humanizado, que são uma incongruência visto que o fim segue sendo morrer para virar carne para o homem, servindo no fim como um anestesiador de consciências - quando não acontece de um ativista conseguir entrar nos galpões e matadouros e ver que de compassivo esse sistema não tem nada.
Faz parte das defesas do carnismo que os veganos sejam retratados frequentemente como excessivamente emocionais e sensíveis, sugerindo-se com isso uma falta de razoabilidade, ou mesmo uma irracionalidade - o que é uma forma muito poderosa de desacreditar a mensagem que os veganos trazem. Esta estratégia não é nada nova. As pessoas que lutaram pela abolição da escravatura humana, por exemplo, foram chamadas de sentimentais. Se em algum momento vc já se sentiu agredido pela argumentação de um vegano sobre o consumo de carne, entenda: não se aponta o dedo para pessoas, se aponta o dedo para o sistema! E como ele condicionou pessoas boas a agirem como pessoas sem compaixão. Acordar para isso é um resgate da compaixão que nasceu dentro de vc e que foi desaprendida.
Quanto à sustentabilidade ambiental:
Acho que nada que uma pessoa possa fazer individualmente, em termos de mudança de hábitos, pode ser tão significativo para o ambiente quanto parar de demandar carne e demais produtos de origem animal. A coisa é INACREDITÁVEL, se alguém tivesse que chutar os valores dos gráficos abaixo, duvido muitíssimo que chegaria perto. Somando os danos, a conta só do prejuízo ambiental fica assim: para cada 1 real de lucro no bolsinho do pecuarista, o mundo arca com 22 reais de prejuízo ambiental. Pode economizar água em casa, cuidar a pegada de carbono, a pessoa pode se revirar em mudanças de hábitos e sacrifícios e, ainda assim, abdicar do bife teria mais resultado. Não adianta: sustentabilidade e veganismo andam juntos.



Quanto à sustentabilidade social: 
A quantidade de campo demandada para "fazer" um kg de carne daria para produzir tanto produto vegetal que logo se conclui o quanto a carne é um alimento da desigualdade. No Brasil, vemos menos essa diferença de custo pois há um grande estímulo financeiro por parte do governo para o agronegócio (estamos pagando por isso!), há abundância de terras aliada com a não responsabilização financeira pela degradação e demais danos ecológicos causados pela pecuária. Mas tente comer um bife na Europa pra ver quanto custa ;-) Imagine o preço (caso haja disponibilidade) de carne nos lugares mais pobres do mundo. Aí fazem altas estratégias pra reduzir o problema da sustentabilidade ambiental e social, reduzindo a área em que os bichos ficam, enchendo de hormônios pra crescerem rápido e gerarem menos gases antes de irem pra faca - ou seja, são manipulados como coisas, desconsiderados totalmente como seres a fim de seu consumo ser mais "sustentável" - por que não parar, apenas?
Uma das grandes falácias contra o vegetarianismo é que é uma dieta de rico. Grãos, verduras e frutas são MUITO mais baratos que produtos de origem animal, mesmo aqui no Brasil - ainda mais quando se passa a cozinhar mais e comer menos hambúrguer de 20 reais no McDonalds. Baratos no bolso e baratos pro planeta! Claro que tem os produtos veg gourmetizados, da mesma forma que tem os produtos carnistas gourmetizados - e são todos desnecessários pra se nutrir bem, e eu até diria contraproducentes no caso de ultraprocessados veg.
Além disso, a maior parte da produção de grãos dos grandes latifúndios vai para alimentar animais de corte, então tudo o que vc porventura tenha de opinião contrária sobre o agronegócio, transgênicos e agrotóxicos associados vai no pacote do bife também. Se a questão da desigualdade tem eco no seu coração, por favor, considere o veganismo!
Se dividir a terra cultivável do mundo pela quantidade de habitantes globais, cada um teria direito ao espaço azul. Os espaços verdes são os necessários para alimentar veganos e ovolactovegs. Olha o espaço necessário para o carnista. A conta não fecha, alguém vai ter que deixar de comer pra dar espaço para o bife alheio, ou o buraco na amazônia seguirá crescendo.

Por fim, saúde:
Mil vantagens. Só pense em tudo o que vc teria que deixar de comer se fosse vegano, e agora pense de novo se esses alimentos eram saudáveis. Maioria não era lá tão boa pra saúde, certo?
Gordura saturada, colesterol, problemas renais derivados do excesso de proteína animal, acidez metabólica, digestão pesada - tudo melhora, tudo o que é ruim ameniza, a vida fica bem mais leve. Pra não ficar com deficiências nutricionais, só tem que comer bem, variado, frutas e legumes em abundância, grãos e sementes também. Eu só suplemento vitamina B12.
O início da mudança alimentar é um período sim de investimento de tempo, pois temos que aprender sobre nutrição e opções legais de comida. Aqui vale a conscientização a respeito do que eu já disse antes: a gente precisa se apropriar do conhecimento essencial para a nossa saúde!
A comida normal é extremamente sem graça, tudo é só acompanhamento da carne. Então na comida vegana tudo precisa ter graça por si mesmo. Por exemplo, meu arroz nunca é só um arroz - é um arroz com algum outro grão, tipo linhaça ou quinoa ou gergelim, ervas e algum legume, como abobrinha, brócolis ou berinjela. Grão de bico, lentilhas e feijões são super proteicos, de cereais e oleaginosas se faz leite vegetal, pão de queijo sem queijo é mais gostoso que o convencional, farofa e cuscuz dá pra botar o que quiser dentro, frutas secas são ótimos lanches para levar na mochila e adoçam sobremesas sem usar açúcar, saladas viram refeições completas com bastante variedade de folhas brotos legumes ralados, uma pastinha feita do resíduo do leite vegetal e um molho, e assim vai :) Tem chocolate vegano, pão vegano, estrogonofe vegano, maionese vegana, tudo o que é versão de comida conhecida. Quem sente falta, pode achar para comprar queijo vegetal e diversos produtos parecidos com carne, estes são bem interessantes no período de transição. Eu entrei totalmente na cozinha depois de vegana, coisa que nunca tinha feito na vida. Eu me disponho TOTALMENTE a passar dicas mais detalhadas e específicas sobre receitas conforme a necessidade de quem precisar, certo? É só mandar um oi :)
A maravilhosa cozinha vegana da Fê
Com tudo isso, posso dizer que graçassss ao bom Pai eu tive acesso às informações necessárias, acordei e hoje sou vegana!! Minha diretriz alimentar é: veganismo é conduta básica, pois isso eu preciso fazer pelos animais humanos e não-humanos e pela Terra, não por mim; dentro do veganismo, eu ainda modulo minha alimentação para o meu idealismo, favorecendo os orgânicos e a agricultura familiar, e para a minha saúde, favorecendo a alimentação crua - essa parte sim, eu faço para o meu próprio bem.
Se vc chegou a ler até aqui, acho que eu atingi meu objetivo de passar informação de forma respeitosa (siiiim?). Não importa o nível da minha convicção a respeito de ser vegana, não importa o quanto já pensei a respeito para entender que a forma de ação mais acertada para todo mundo é essa: eu ajo de acordo com o meu entendimento de que é absolutamente essencial respeitar a liberdade e o tempo das pessoas, visto que essa mudança ainda é incipiente na sociedade. A mudança que não vem de dentro não se sustenta diante da maré contrária. Eu entendo e concordo com os ativistas que dizem que a nossa liberdade de opção vai só até onde começa a liberdade de outro ser, inclusive animal, e que então as pessoas não deveriam considerar comer carne uma opção pessoal pois a gente mexe com a liberdade do bicho q se mata. Mas a realidade com que lidamos é que, sim, isso é encarado como opção pessoal, a pessoa não sofre punição, preconceito ou qualquer outro revés social por consumir carne - e já que não existe nenhum freio exterior, o freio tem que vir da consciência. Um dia, eu acredito, vai haver massa crítica vegana que justifique uma mudança institucionalizada, como os abolicionistas querem, e os resistentes no consumo de produtos de origem animal terão que se adequar ou viver na clandestinidade, como já foi com a escravidão humana. A tendência de mudança é visível, mas ainda temos um grande caminho a seguir até lá. Esta é só a minha opinião, ok? Cada ativista tem direito de ter sua opinião e estratégia de alcançar e inspirar as pessoas. A minha é a informação dos dados e o respeito do tempo para que estes fatos inequívocos façam seu serviço na consciência.
Pra fechar, se vc quiser mais força ainda para sustentar sua vontade de mudança, veja Cowspiracy na Netflix, ou senão estude o resumo do documentário, no anexo abaixo. Veja os vídeos sobre veganismo na página Links, preciosos links. Forneça a si mesmo o contato com a realidade, e aí as inconveniências de ser diferente da grande massa vão ficar reduzidos a perto de nada. Instrua-se e conecte-se com a sua consciência e o seu desejo de ser uma pessoa melhor pra si mesma e para os outros, pois é esse desejo, que vem do amor e da compaixão, que vai lhe permitir ir além da média. Viver uma escolha de amor e compaixão tem um gosto muito melhor que qualquer comida :) 
Bjs


P.S.: Faço um aparte aqui - ninguém tem o monopólio da boa ação no mundo, e eu não compactuo com o extremismo que às vezes se vê no movimento vegano. Estar vivo e comer significa gerar impactos pras outras espécies. Por exemplo, quando comemos transgênicos, estamos comendo alimentos derivados de testes em animais e que causaram extermínio da fauna nativa para estabelecer monocultura. Quando consumimos plásticos e eles vão pro lixão, existe impacto pro ambiente e pros animais. Quando consumimos produtos de origem vegetal de grandes empresas irresponsáveis com o meio ambiente e que sustentam o capitalismo predatório que existe hoje, não estamos sendo responsáveis com a vida na Terra. Meu convívio com as pessoas que trabalham com permacultura me fizeram ver que nem sempre o veganismo anda de mãos dadas com a sustentabilidade, e a sustentabilidade é um caminho em prol de toda espécie viva. Tento hoje levar o melhor de tudo isso que aprendi, no veganismo e na permacultura. São ambos promotores de escolhas movidas pela compaixão. Toda mudança pro bem é válida, mas a humildade e o não julgamento das escolhas dos outros precisa existir.


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